Adeus Papá...


Quando comecei a escrever este blog há muitos anos, tinha eu vinte e poucos anos de idade e estava prestes a mudar-me para os Países Baixos, comecei a escrever por brincadeira e para descrever o meu dia a dia de viver no estrangeiro numa forma sem filtro. 
Ao fim de 6 meses, numa das visitas a Portugal, o meu Pai disse-me que tinha aprendido mais sobre mim e a minha personalidade a lidar com as outras pessoas pelo blog do que em qualquer uma das nossas conversas. 

O meu Pai sempre leu o meu blog e por essa razão cada vez que vivi fora de Portugal continuei sempre a escrever, e sempre escrevi em Português por isso. Para mim uma audiência de uma pessoa era suficiente. Assim era mais uma maneira de partilhar com ele os nossos momentos. 

Este é o primeiro texto que escrevo que ele não vai ter oportunidade de ler ou de me mandar um email a corrigir o mais pequeno erro ortográfico:
Ontem o meu Pai deixou de sonhar... e deixou de estar connosco fisicamente para sempre.

Ao vir viver para a Nova Zelândia tínhamos planos para apoiar a família no que achávamos todas as situações possíveis, mas não tínhamos planos para a situação mundial neste momento. Não consigo viajar para Portugal, não consigo estar lá neste momento. Isto transforma um momento péssimo num momento ainda pior. 
Não posso estar no funeral do meu próprio Pai por isso. Não posso abraçar e ver a minha mãe. Não posso abraçar e ver os meus tios e os meus primos. Não vou poder falar cara a cara com todos aqueles que ele cativou, e tão bem que fez, a sua amizade. É um momento daqueles que parece um pesadelo que mais tarde se vai acordar, mesmo que saiba perfeitamente que não o é.

Há cerca de um mês e meio, muito longe de imaginar que tudo isto seria uma possibilidade, dizia ao meu pai que às vezes não tinha muito a escrever porque a vida também tem muita rotina e perdia a vontade de escrever. E ele disse-me que gostava de ler e que não deixasse de escrever. Por isso e por não poder estar presente neste momento parece-me justo que escreva sobre umas das pessoas mais importantes da minha vida. Não há mais nada que tenha força para fazer neste momento.

Começo por aquilo que sempre disse em vida: o meu pai apesar dos seus 83 anos, era uma pessoa muito à frente do seu tempo, e muito muito mais novo que o que os números apontavam. Quer na aparência e saúde (até estas semanas), quer na maneira de pensar. Ele (tal como a minha mãe) foi a pessoa que mais me ajudou ao longo da vida. Ainda mais nos momentos difíceis da minha vida e nas decisões complicadas. 
Sempre tive todo o apoio dele. Inclusive nas naquelas decisões que o afectavam, como a decisão de mudar para outro país, ainda mais sendo tão longe. Sempre racionalizou a situação para dar o apoio incondicional.
Eu tenho a certeza que nada do que sou hoje o teria sido sem a sua ajuda. Todos os meus sucessos são sobretudo sucessos também dele.

Até a minha carreira profissional teve o seu contributo desde o ínicio. Apesar de quando eu nasci ele se dedicar a ser Professor de Filosofia, ele sempre teve um computador com ele e me incentivou a usar. Quando muitos outros professores, mais novos até, ainda escreviam testes à mão ou na máquina de escrever e depois usavam  fotocopiadora, já o meu pai o fazia num computador com impressora em casa. Tinha bases de dados de informação de alunos e testes (mesmo nos primórdios com Lotus 123).

Muitos anos no futuro, já eu formado em Engenharia Informática e o meu pai já na casa dos 70 anos,  foi quem me convenceu a ter um iPhone e mais tarde um iPad. Ele já os usava ainda eu usava os telemóveis mais antigos.

Quando Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Abel de Salazar (em São Mamede Infesta) lembro-me de me explicar decisões que líderes têm de fazer com base na ética e na moral, com situações reais. Como não levar os caminhos fáceis se não forem os justos e moralmente aceitáveis.

Acredito que o momento que mais lhe custou foi quando decidi vir para a Nova Zelândia. Ainda assim sempre senti o seu apoio e no momento em que nos visitou e passou um mês connosco cá, fez questão de dizer o quão orgulhoso estava da nossa decisão e que tinha lhe custado mas que, ao ver como vivíamos, acreditava que tinha sido o certo para nós. E completou a dizer: “e já viste… quando é que eu ia imaginar que agora aos 78 é que eu ia visitar a Nova Zelândia e fazer uma viagem deste tamanho pela primeira vez”. Este tipo de palavras não tem preço...

Não cheguei a participar em metade da vida dele. Das recordações mais antigas que  tenho é pôr-lhe a mãos nos bolsos quando chegava para ver se tinha torrões (talvez de caramelo). Apesar de saber de imensas histórias não sei qual a maior alegria dele, mas tenho a certeza qual foi a maior alegria que eu lhe consegui dar: as duas netas. 
Apesar da distância, a alegria com que falava nelas e com elas, e a forma como as a acompanhou a crescer até este momento. Ele tinha uma amor incondicional por elas, a ponto da primeira vez que me falou sobre a própria mãe (que eu nunca conheci) foi no contexto das mulheres da sua vida, a propósito de ver uma foto das duas na nossa última ida a Portugal.
Cada vez que nestes dias olho para a mais nova a fazer algo de novo parece que oiço a voz dele a dizer “que crescimento certinho que ela está a fazer”. Agora faço-o com muitas lágrimas nos olhos mas no futuro tenho a certeza que será uma recordação linda. 

Sempre que acontecia algo novo (gatinhar, o primeiro passo) de uma das netas a primeira coisa que eu fazia era enviar um vídeo ou fazer uma chamada. Afinal, era sempre a primeira chamada que fazia quando algo acontecia… até um jogo de futebol que tivesse sido mais interessante.

Prefiro celebrar a vida das pessoas do que lamentar a perda, mas admito que nestes momentos, em que se sente tanta tanta falta de alguém que até dói só de pensar, é difícil não lamentar.  Esta é a maior perda da minha vida… gostava de mais um abraço mas ficam aqui as recordações que nunca partilhava por serem nossas e por ele gostar de fazer tudo sempre de uma forma discreta. Mas hoje tenho de o fazer… porque se isto é o blog dos momentos da nossa vida, este é texto mais importante de sempre.

Fica-me a sorte de todas as recordações dele serem boas… fica-me a sorte de ter sido meu 
Pai e meu Amigo em todos os momentos, dos bons aos maus, e ter estado sempre lá para mim. 
E fica-me uma imensa saudade...

Começo com a última foto com ele, que ia sempre nos buscar e levar ao aeroporto...






















E acabo com a foto que lhe tirei da viagem num dos meus locais favoritos no mundo… e de ter conseguido partilhar isso com ele. Porque é assim que quero imaginar o seu futuro...



...e com o que queria voltar fazer, não posso mas recordo para sempre.



Adeus Papá… vou sentir tanto, tanto, tanto a tua falta.
(e desculpa se tem erros… mas não estás aqui para me ajudar e eu não consigo melhor)


Comentários

  1. Rui, um grande abraço. Muita força e coragem neste momento difícil e complicado.
    Teres tudo isto para dizer do teu pai, é certamente das melhores coisas que ele iria querer.
    Apesar de toda a distância, se precisares de alguma coisa e eu puder ajudar, avisa.
    Fica bem.

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  2. Rui, os meus sinceros pêsames. Continua a escrever. Estes textos são autênticos “torrões” que saem das tuas mãos para os teus. Um grande abraço e muita força! Nuno (Futrica)

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  3. Um beijo muito muito forte meu amigo, fico com o coração apertado de imaginar a tua dor. Sabes que estamos aqui por perto para o que precisares. Força. Beijo enorme.

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  4. Continua a escrever Rui! Eu também gosto de te ler! Os meus sentimentos
    Isabel Ribeiro

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  5. Rui, acho que fizeste uma fantastica homenagem ao teu pai que, estou certo, esta muito orgulhoso de ti. Ele continuara sempre a acompanhar-te em todos os momentos da tua vida.
    Um forte, grandissimo abraco

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  6. Obrigado Rui pela tua partilha da dor neste momento difícil. Muita força para superar todo esse sentimento que te atravessa o coração e olha para as tuas lindas filhas e para a tua esposa para te apoiares.
    Continua a escrever e partilhar o que a vida tem de melhor. Muitas felicidades para os 4 e se puder ajudar no mínimo que seja avisa...
    Beijos e abraços desde o cantinho a beira mar plantado.

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  7. Os meus sentimentos e muita força neste momento difícil, Fica no entanto esta bonita homenagem ao pai e a uma das pessoas mais marcantes da tua vida. Não deixes de escrever e de manter a alegria. Saúde e um grande abraço para todos vós.

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  8. Rui, leio o teu blog, do qual eu gosto muito, por isso continua a escrever. Linda homenagem ao teu pai. Os meus sentidos pêsames.
    Palmira Moura

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  9. Meus sentimentos Rui, abraço e beijinhos para vocês

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  10. Rui,
    Tenho que começar por um duplo pedido de desculpa.
    Por me intrometer neste momento de intimidade pessoal com o teu pai e pelo tratamento na segunda pessoa do singular (ele não gostaria que eu dissesse “tratamento por tu”) que a minha velhice a isso permitirá.
    Falta ainda identificar-me: moro na rua da Escola Primária que frequentaste no Muro.

    Para além de enviar um forte abraço, quero agradecer o belo e merecido texto de homenagem ao teu pai.
    Ontem, ao comunicar o ocorrido a um grupo de amigos que o conheciam, escrevi “… também ele, foi uma das pessoas que marcou a minha vida, aquilo que eu sou”.

    Pena que o contexto de pandemia em que vivemos, e que acabou por vitimá-lo, não tenha permitido que as muitas pessoas que com ele privaram pudessem estar presentes num funeral realizado nos moldes habituais para lhe prestar a merecida homenagem e a solidariedade à tua mãe e restante família.

    O meu testemunho, desculpa que o faça aqui, pretende mostrar que quão importante foi, para além da própria família, para muitas pessoas que ficaram marcadas pela sua vida.

    Era um amigo que desinteressadamente procurava o melhor para o outro.
    Só um exemplo: foi ele que permitiu que muitos concluíssem o 6º ano de escolaridade – o que era difícil para a época, ao instalar no Centro Paroquial do Muro a Telescola.
    Mas não só, fui testemunha dos muitos que se aproximando lhe agradeciam por isto, ou por aquilo.

    Já agora, quando dizes “que crescimento certinho …”, é mesmo dele, também a mim parece estar a ouvi-lo.

    E continua a escrever, se não para outros, para a Fernanda.

    Um grande abraço à família Guimarães nos antípodas,
    António Moreira

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  11. Rui, é muito bonito ver-te celebrar desta forma verdadeira e cheia de sentido a Vida daquele que te gerou e te deu vida. E continua a dar... E dará... Apesar da saudade, que é inimaginável e dói... acredita que és um sortudo e um priveligiado por teres um papá assim. Abraço para vocês os quatro.

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  12. Rui, não nos conhecemos pessoalmente, mas conheço-te da boca dos teus pais, principalmente da tua mãe há mais de 10 anos seguramente . Continua a escrever, de certeza que o teu pai assim o quereria. Ele falava de ti e das tuas meninas com muito orgulho e tive oportunidade de ouvir isso recentemente. Continua a olhar pela tua mãe que é uma pessoa fantástica, e que nós aqui em casa gostamos muito. Os teus pais são pessoas muito especiais. Bem haja pelo teu testemunho. Muita força e um beijinho. Sofia Nunes e Nelson Pinto

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