Farinha... há no cu...


Uma das vantagens, na educação de uma criança, de viver num país em que não se fala Português é que a probabilidade desta aprender palavrões em Português é bastante baixa. É ainda bastante interessante ver como mesmo as frases mais estranhas ou interjeições que a criança diz vem, muitas vezes, de nós próprios, os pais...

Por isso qual não foi o meu espanto quando há umas semanas atrás a Sofia, enquanto estava na brincadeira comigo, se virou e disse com um sorriso: "Pai... farinha há no cu...".

Fiz uma pausa (sem saber o que dizer) e pedi que ela repetisse (acontece muitas vezes não a perceber à primeira... porque pode sair uma mistura de Português e Inglês). E ela novamente: "Farinha... há no cu".

Perguntei onde tinha aprendido isso ao que ela respondeu: "Fui eu que me ensinei"... (que é a resposta dela para um "não te digo"). E como achou piada à minha reação começou a repetir muitas vezes até ficar proibida de dizer isso. Aí ela amuou e ficou triste.

Depois de uma conferência entre pais (lei-se, a Catarina e eu) não sabíamos de onde poderia vir essa frase, ao que a Catarina, sem ter ouvido, sugeriu que ela devia estar a querer dizer outra coisa: porque não podia ter aprendido em casa.

Passado dois dias, deste vez com a mãe, lá voltou a falar da farinha no dito cujo. Desta vez, e apesar de ser claramente a mesma frase, da maneira que ela disse ficou a sensação de não ser em Português.

Outra vez, nova conversa entre pais e a teoria é que seria Te Reo (a lingua Maori que a Sofia aprende na escola visto ser lingua oficial na Nova Zelândia). Mas como o nosso Maori está muito longe de ser fluente tínhamos de perguntar a alguém.

No dia seguinte, quando fui levar a Sofia à escola, chamei uma das professoras que lhe ensina Maori e expliquei que a Sofia tinha chegada a casa e dito muitas vezes (e disse no meu Português mais perfeito):
 - "Farinha há no cu".
Ao que professora me disse logo:
- "Ahhhh... e disse muito bem. Perfeito".
Ao perguntar o que queria dizer ela levou-me com ela para um quadro com um calendário do ano onde tinha escrito em letras bem grandes, para o mês de Outubro (aquele em que estávamos):

Whiringa-ā-nuku

O meu Maori não é excelente mas é suficientemente bom para saber que "Wh" tem o som the "f" e o "nga" é muito similar ao nosso "nha". Ou seja, para ser mais exacto, deve-se ler qualquer coisa como: "firinha à nucu".

Tudo que a Sofia nos queria dizer é que era Outubro, mas como nós não sabíamos o que queria dizer, e ela não sabia os meses em Português a comunicação ficou particularmente difícil e ela foi proibida (no dia) de dizer sem culpa nenhuma... fiquei com um bocado de peso na consciência mas ela agora pode dizer à vontade (e se ouve alguém falar em Outubro diz logo em Maori - por isso agora não vamos estar em Portugal ou Brasil em Outubro). Mais engraçado é que quando estamos a fazer um bolo e dizemos "farinha" ela diz logo: "ahhhh... isso é como Whiringa-ā-nuku"

Estes são alguns dos desafios de educar uma criança bilingue (que acaba por ser um pouco trilíngue, embora o Maori não vá ter muito peso na vida para ela). Temos a felicidade da a Sofia ter imensa curiosidade com as línguas e chegar a casa e perguntar como se diz em Português as coisas que aprendeu na escola em Inglês. O problema é mesmo o Maori dela já ser melhor que o nosso...

Na foto, o calendário de 2019 do clube de Land Rover de Canterbury onde a foto de Outubro é precisamente minha. Acho que o mês foi escolhido a dedo...

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